23 de fevereiro de 2012

cada olhar que você colher,
virá com sua dose de veneno
virá no sereno clandestino
virá de um menino
cuja imaginação floresce no seu seio
virá querendo o muito e mais meio
virá trazendo um tsunami
de palavras não ditas
virá das desditas
daquelas que acham que ao cegar
um passarinho terão seu canto só pra si
daqueles cujo olhar
cego de solidão
já não tem outra razão
senão a busca
virá desta brusca
contradição que é o desejo

irá como um beijo

19 de fevereiro de 2012

Hoje não sinto vontade de montar nesse velho pangaré que é o mundo. As beiradas me chamam para o café da manhã com possibilidade de queda. Minha sina transborda os poros e sou só eu esticado no curtume das horas. Quero gritar seu nome, mas minhas cordas vocais ocupadas sustentam criticamente as mentiras que preciso esquecer. Paraísos artificiais me acossam num espaço tempo sem travas e eu preciso procurar um banheiro com um pouco de racionalidade. É a ditadura do corpo, perdendo erres e me fazendo dar etílicos mergulhos no idílico de nossas memórias. Já não preciso disfarçar minhas quedas abrindo as asas como um pavão apavorado. No desarrumado da solidão, esqueci Ariadne me esperando, sentada, nua, na sala. Pensei empenhar minha sanidade na Caixa Econômica; comprar aveia e um paraquedas. Ainda estará lá, a doce Ariadne? Alguma coisa se embaraçou no meu pé; acho que vou cair de novo. Preciso cortar algo; a linha, as cordas, tudo o que disse é verdade. Tudo o que sou despenca das cordas vocais, num banheiro fétido, quebrando as asas. Acho que Ariadne vai ter que esperar na caixa econômica onde deposito minha solidão em poupança. É inútil lutar contra a queda. Com juros e correção posso emendar a corda, seguro a xícara, as rédeas, as cordas vocais, ou a beirada? A queda parece cair de moda de tão demorada. Você e Ariadne na sala desembaraçando as asas. O pangaré cheira mal como a memória.

15 de fevereiro de 2012

Já volto para teus braços virtuais
para nossa imagem desvirtuada
copulando com a ausência vigiada

já volto para exibir meu desespero
e te fazer sentir cada teclada
como a intensidade do vazio

já volto para ser astro das madrugadas
no ecrã da redenção cibernética
efeméride de almas desnu/dadas

já volto para exibir o talento bruto
dos gestos e fantasias extropiadas
cuja pele real lateja em polpa e fruto

14 de fevereiro de 2012

quero passar o carnaval em você
e confete e serpentina
na sua pele morena
que no salão desatina
de tanto querer

Quero passar o carnaval em você
Para que ele fique escorrendo
e deixe o seu mundo dançando
fazendo cair as máscaras
libertando o viver

quero passar o carnaval em você
com fator cinquenta ou mais
que é pra lhe deixar em contradição
entre o protegido e o exposto
neste mundo do vir a ser

quero passar o carnaval em você
do jeito dos loucos dos brutos
num baile sutil de recônditos
obedecendo ao princípio solene
de depois lhe desconhecer

quero passar o carnaval em você
na sua fantasia
na sua alegria
nesse nosso dia-a-dia
de endoidecer

2 de fevereiro de 2012

Não tenho onde ir

Sem me levar junto

As coisas parecem não querer

Minha pele já ressequida

Meus seios já murchos

de alimentar lembranças

mas preciso seguir

o caminho das esquinas

preciso sentir sua aguda

mudança de rumo


Sigo sonhando o sumo

da memória

e como se a história

pudesse ser contada ao contrário

termino no ovário

que primeiro me expulsou

encerrando o ciclo onírico de fatos

desencontrados e obscuros

que me carregam através dos dias


Agora o tempo pode parar

para que eu comece a viver

como sempre achei que seria

Não tenho onde ficar

sem me quedar

junto

1 de fevereiro de 2012

Triste é o sino
Que já não dobra
Pela sina que queria
Triste é a romaria
De imagens projetadas
Na tua pele
Triste é quem não apele
Para o fim do poço
Pensando no moço
Que deixou acolá
Entre xangrilá
e a lembrança
Triste é Sancho Pança
Sem seu lugar no mundo
E aquela lança
De moer moinhos
Tristes são seus caminhos
Sem a loucura de decompor
Gigantes e versos
Triste são os travessos
Que já não podem
Te ver na janela
Triste é restar
Na panela

poema para Bella, outra poeta linda de tirar o folego, a partir do seu poema "Janela" publicado no face e no seu blog http://isabella-coutinho.blogspot.com/.

JANELA

triste é a sina

de quem chora

não ter o que não sabe

triste é a sina

de quem chora

ter o que não sabe

triste é a sina que

demora

e o momento urge

triste é a sina que

com o tempo melhora

e passa últil

conformidade

triste é a sina que

aparenta paisagem

e é apenas um quadro

na parede sem

janela



BELLA