27 de janeiro de 2014

Sobre o amor, disse-me um poeta uma vez
Que ele deve ser infinito enquanto dure
Donde se conclui que quem tem um amor
Deve cuidar para que o tempo não o contamine

Classificados


Procura-se para noivado urgente
Apenas durante o carnaval
Linda mulher pouco exigente
De beleza física e moral

Se tivesse de dizer o que sinto
Sem metáforas e subterfúgios
Diria que estou cansado
Não do cansaço físico e mental
Do trabalho das lutas da correria
Um cansaço insolúvel inseparável
De quem deseja estar entre os vivos
Mas não deseja seguir existindo
Um cansaço euforia
de quem vê na alegria
Um motivo pra se entristecer
Uma forma anômala de expectativa
Uma espera de não saber o quê
Como se tudo pudesse acabar
De uma hora pra outra
Ou continuar existindo indiferente
Mesmo depois de eu ter partido
Uma incapacidade de me fazer entender
Como num grito de pesadelo
Um desejo de ser adivinhado
E de ter alguém igual
pra não precisar dizer palavra
Mas reconheço que nada disso
Diz respeito a ninguém mais além de mim
Por isso sigo vivendo
Entre o triste e o apaixonado
Até quando?

20 de janeiro de 2014

Vontade de não ser eu mesmo
Vontade de ser a esmo
Qualquer um em qualquer lugar
De ter um falar diferente
De amar outra gente
E fazer o que eu não faria
Uma patifaria um maltrato
Vontade de sumir no mato
E não voltar a olhar o espelho
Mas sou meu velho conhecido
Previsível no sentir e em tudo
Não posso arrancar as entranhas
E dizer palavras tamanhas
Num idioma que não conheço
Virar-me do avesso negando sina
E a fina linha que separa sonhos
De insanidade inventando
minha cara metade de um anúncio
Ou de uma placa de propaganda
viver em Uganda ou em Punta Del Este
ser a peste ou a fome num circo de horrores
e até Maria das Dores eu seria
tudo porque cansei de mim neste dia
Lunático sim de não aguentar
A fumaça dos escapamentos
De não tolerar burocracia
E ajuntamentos
De querer correr livre
Pela praia nu
De olhar a molecada pela janela
E de repente achar que tenho quinze
Não dez anos um estilingue
pipa e bolinhas de gude
De querer passar a tarde
inteira grudado nos teus lábios
De todos os tamanhos e razões
De sentir tuas vazões em ondas
De tornar redondas as bordas do mundo
De poder nadar no teu perfume
E me fazer infame de tanta risada
De ter prazer do nada
Até mesmo na televisão histérica
Ligada na sala falando do vazio
Ou de existências tão ocupadas
Em se chatear que se esqueceram de viver
Lunático sim de te querer assim
Feito SP num domingo
A paulista embandeirada
Num protesto pela liberdade de amar
Meio feriado meio loucura
Devotado que te sou
Minha luz minha lua

17 de janeiro de 2014

Num primeiro momento
Apenas sorriam
As bocas penetrando
As pupilas impiedosamente

No instante seguinte
A distância foi eletrificada
E cada novo pensamento
dava choques na pelve
Ou funcionava como um tapa

Ela era toda frios e brios
Ele a faca o queijo e a mão
De tanto desejar
Já não queriam ali estar

Aproximaram aos poucos
A dura expectativa
Da receptiva vontade
E se preparavam já
para as formalidades

Ele em perfume de hormônios
Ela toda liquido em volúpia
- Hola, yo soy tu futuro esposo
- Moi? Je ne te comprend pas

E o desejo perdeu outra vez
Para a burocracia linguística

CONSELHO DE SANTO (QUEM DISSE QUE UM MIBIELLI NUNCA PODERIA SER CANONIZADO????)

Doe amor a cada nova mancada
A cada pancada que levar de outro ente
Doe amor justa ou injustamente
Como quem doa a própria semente

Doe dor aos tambores e gritos
E aos processos infinitos do amar

Doe a carne se preciso for
Ainda que tarde a certeza do amor
E doe as feridas do morder e do sugar
Como quem se dá à fome do olhar

Doe casa aconchego e até a lareira
Doe a arrumadeira e os sapólios
Deixe tudo pronto e arrumado
Só não limpe o aroma do doar

Doe o ar dos seus pulmões
E os pães que se hão de comer
Doe para ser doada em igual medida
Doe para a vida e a pequena morte

Se puder doe a sorte de poder doar
Doe sempre e tudo mesmo a quem não precisa
pois doar só dói pra quem se economiza
O que me dirá essa voz escura
Cujas palavras ressoam na carne
Despregando confidências
Que nem o próprio tempo colheu

Que me dirão seus ecos sem porvir
Sobre as sobrancelhas cerradas
Que o medo ostenta sobriamente
Quando despacha burocráticos beijos

Quem cantará funéreo a altas horas
Pelos quatro costados da solidão
Por certo não é a ave agourenta
Recheada dos gazes aristocraticos de never more

Mas algo muito pior e ainda mais virulento
A poeira do fim o próprio esquecimento
As runas e as renas
São eternas assim como
Os conselhos paternos
Que ronronam graves atrás das eras

Destravado em suas engrenagens
O tempo não é mais o mesmo
Escorre sibilando desvairado
Num vale de insanidades
Amolecido por Dali

Quem me dera meu lar
tivesse umbrais e não
esquadrias de alumínio
E o olhar marmóreo de Athena
Condenasse o plástico
Onde se afoga a maioria
dos sentimentos comprados
A meios cobres num fast food
dançante de subúrbio

Que triste sorte nos alucina
A ponto de querermos curvar
O infinito na relatividade dos shoppings

Nada nos une tudo nos oprime

Quem diabos poderá dizer
Em qual IML desse mundo afora
foi parar o corpo de Lenora
E não sei se foi D. Quixote
Ou outro Pessoa que uma vez
Me disse que para o moinho
Da mente funcionar
É preciso que ali se faça
Farinha de ar