Deixar-se engolir pela multidão comovida
Que grita pelo que deseja
Seja um gol
Uma reivindicação
Um salvamento
Deixar-se absorver pelo trabalho
Pela luta
Pela alegria famíliar
Ou apenas pela euforia de ser
E estar
Deixar-se mastigar pelas rodas do capitalismo
Pelo cinismo dos chefes de seção
Pela intersecção do clima e do dinheiro
Pelo banheiro sujo do bar
Pelo seu lugar no universo em expansão
e no fado
Deixar-se abocanhar pelo espírito santo
Por tanto pilantra em pele de dízimo
Pelo ínfimo da matéria brilhando
Flutuando na tarde poeirenta ao redor
Deixar-se tragar pelo desejo alheio
No olhar ou nos dedos
Que percorrem sós o próprio proibido
Inventando gestos e feiras
Das quais você talvez nem quisesse participar
Deixar-se consumir como fumaça
de civilização decadente
Como ente ou entidade
Entre tambores canibais e ancestral idades
Um sopro de luz nos pulmões da razoabilidade
Deixar-se trinchar nos dentes gauches
De ser torto em linhas retas de vida
De não aguentar despedidas
De voltar ao mesmo assunto e opinião
Do querer não querer desejando muito e fundo
Deixar-se antropofagizar pelos que partilham
A carne e os feitos
Pelos símbolos em rotação
Pela linguagem oculta da ideologia
Pela orgia das possibilidades
Deixar-se assimilar pelo domingo em família
Pela milha e meia que separa opiniões
Pelos peões no tabuleiro e pipoca na panela
Pelo filme abraçadinho
(Mesmo os do Tarantino)
Pelas crianças que tornam Herodes natural
Deixar-se comer comendo
Comer e dormir
Dormir e comer
Todo o tempo repetido no corpo e nos sonhos
Nas promessas e nos vazios
Pois além dessas alegrias
Há quem regurgite
Quem refute o se dar
Odiando o amor
Mesmo o alheio
Temendo ser devorado pelo prazer
Ou tê-lo como esteio
Que a paz gourmet lhe seja bem servida
No ano novo que se inicia e na vida
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