11 de dezembro de 2012

Patchwork à moda de M. Shelley

Eu sou um pouco
da imortal loucura
portanto não sou cura
para quem diz ouvir estrelas
catando comida entre detritos

sou mais os gritos
de lirismo dos bebedos
clonados de Shakespeare
que zombam dos outros
ainda que já não possam beber
já não possam fumar
cuspir já não possam

Hoje dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo o que não tem mais nada
Da vossa piedade estou despido
Porque quanto mais tenho delinquido
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo
Este excesso de realidade me confunde
Em mórbida languidez me banha os olhos

Ardem sem sono as pálpebras doridas
Convulsivo tremor meu corpo vibra
Ah Basta isto porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos

Não há falta na ausência

Oh mar salgado quanto do teu sal
são lágrimas de carnaval
Ainda assim navegar é preciso
Ponho o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar

Mas vem o vento que a Desgraça espalha
E cobre-me com o pano da mortalha
Que estou cosendo para os meus amores
Quis vivê-los em cada vão momento
antes e sempre e com tal zelo
que deles se encantasse mais o pensamento

Irmão das coisas fugidias
não sinto gozo nem tormento
minha vida está completa
E eu não dei pela mudança

Dou-lhe o meu canto louco faço
um pouco mais do que ser louco
O único remédio
É adiar tudo É adiar a sede a fome a viagem
me apaixonar por um outro eu

que não tinha entrado na história

10 de dezembro de 2012


Eu como sim
Como de lamber os beiços
Devoro o fim
E todos os recomeços
Com a mesma vontade pagã
E abençoada
Como se nada
Pudesse restar de manhã
Nem ossos
Nem pedaços
Como os traços
E os espaços
Vazios
Os cios
Os seios
E a ceia
Que seu corpo oferece
em voluptuosa prece
em gritaria desesperada
ou em calada circunspecção
E como com a mão
as pernas o peito
os olhos de todo jeito
que se permite comer
ou que se quer esconder
entre paredes
Como em redes
e no saguão
no chão
e na viela
onde houver aquela
vontade
como de verdade
de morder
de me perder
nos seus rumos
de beber seus sumos
de sacudir seus guizos
e me afogar em seus gozos

17 de outubro de 2012

“O que seria do amor
Sem um pouco de sacanagem?”
O que seria da viagem
Pelo corpo alheio no alheio de si
Se não houvesse um ai
Ou as palavras banidas do feio
O que seria do sem freio
Sem sua miragem
Há que beber do oásis
E fazer do êxtase o pão
O que seria da mão
Sem a contramão do corpo
O que seria do mar
Sem este lugar para derramar
Marés e fúria
O que seria da voz
Se não houvesse um nós
Onde ecoar
O que seria do par
Se nada se soubesse da fricção
E finalmente qual seria a razão
De estar no universo
Se não pudesse te agarrar
Entre o doce e o perverso

6 de outubro de 2012


Tresloucado ele seguia
Amando sonhos abocanhando
Dias e noites com suor na fronte
E desejos inacabados
Sua ira era doce e forte
Sua delícia acompanhada de chicote
Tornava o mundo vermelho lindo
Suas palavras eram incompreensíveis
Pele afora e ele jorrava alegrias
E tristezas de não poder e gostar
A cada mergulho a intensidade
E o desespero se apoderavam
Da inocência que fingia não ter
E o tornavam refém de carnes
Que não eram suas mas queriam ser
E ele flutuava marrom e singelo
Como sombra do que fora
E do que deveria querer
Seus dentes cravados no que dela
Restava de si emitiam sinais
De socorro em ondas de gozo
E animalidade e zepelin em chamas
Ele afundava em nuvens e receios 
Dizendo amar sem freios

1 de outubro de 2012

POEMA MEU TRADUZIDO DO INGLÊS

O destino é meu amigo
E viajamos juntos
Ele e eu
Pelos descaminhos e picadas
Deste mundo inexplorado

Cada ser que ele seduz
E desnuda
Se torna parte daquele velho poema
Do John Done que servia de epígrafe
Praquele verde vale
E pra vida da gente em diante

Ele limpa minhas sandálias de couro
Da lama dos dias chuvosos
Enquanto me conta causos
Do passado de que já nem me lembrava mais
De tanto estar no presente

Não sei direito de qual dos lados da vida
Ele retira forças pra atravessar os desertos
Que enfrentamos juntos
E para beber às estrelas e aos olhos
Da mulher que amo e que não está comigo
Nas horas em que a ausência do gosto dela
Me revela o quanto sou incompleto e fraco

Como consegue me acompanhar
quando praguejo e chuto pedras
querendo voltar sobre meus passos
ou simplesmente deitar e morrer
olhando o horizonte que arde

O destino é meu amigo
E se eu não tiver forças
Sei que ele vai me levar
Consigo nem que seja nas costas
Vai me tirar deste deserto
E graças a ele vou beber de novo
Da fonte que ela tem no corpo
Porque é dali que emana a vida

19 de setembro de 2012


Não me desvies de meu poema
Não diga que o problema
É de bebedeira ou apaixonite
Sei bem do meu não limite
E da vida que me rodeia
Como se eu fosse candeia
ou cavalo selvagem
e sei da voragem
que corrói
o humano
desculpe
mas não foi engano!

17 de setembro de 2012



com a chegada da primavera
à vera quase minhas primaveras
chegaram ao fim
e não foi assim nada de especial
 apenas um remédio mal administrado
uma veia burra e enganada pela sorte
levando veneno e parando tudo
numa greve absurda de vida
depois uma sensação de luta
e derrota emboladas pelo chão
ao redor do leito hospitalar
e lágrimas fugindo em êxodo
empurrando lamúrias em pânico
numa desastrosa correria
e aquela morte que sempre pareceu
pacífica no gozo
ameaçadora gingando e sorrindo
dizendo-se dona e amante final
até de minhas negativas
três horas de coração parando
em câmara lenta e obstinada
e voltando a bater desanimado
empurrado pela necessidade
sabe-se lá do quê
pensei muito nos três que de mim vieram
pensei muito em você

15 de setembro de 2012



São todas nuas as horas
que o relógio dispensa
no colo dos inocentes
Mas é nos dentes
dos que amam e tatuam
que a carne
se transforma em carnaval
E não há mal
em dizer verdades escuras
pelo corpo adentro
basta perder o centro
e derreter-se em sonhos

28 de julho de 2012

No dia em que minha alma adolesceu

Deixou de ser perfeito o amor

Tomado com olhares e gosto artificial

de uva ou chocolate no intervalo das aulas



Mesmo assim amei com pernas e bocas

como podia

fui me deixando amar como as pedras

que rolam com o som diferente

das bolinhas de gude se entrechocando



E fui percebendo

que mesmo as pedras param de cair

começam a amar de lado

à prestação como quem compra geladeiras

fogões e carros de concessionária



Ainda aí amei com as floriculturas

as fraldas e uma sensação de incompletude

que me amava também segundo dizia



Depois quando via o amor entre compromissos

comecei a achar que tinha vícios

vicissitudes e outros quitutes do engordar

mas não tinha o mesmo paladar

de tempos idos

os temperos estavam perdidos

os gostos mudados



A verdade é que à medida que

a impossibilidade aumentava

me via mais e mais a lembrar

do gosto real que havia de uva

chocolate ou chuva 

bebidos com olhar



hoje o amor tem o gosto

disso tudo

e me perco pensando

em como é difícil amar

e ser amado

Foge comigo

Foge comigo

Vem ver quem fui

Quem fomos

Antes do infinito



Foge comigo pra além

De Pasárgada onde os vagalumes

São funcionários públicos

E iluminam a vida por profissão

E a razão não está com quem tem

Mas com quem faz

Seja o que for que seja feito

Como uma mão no peito

Que deve por pudor ser retirada



Foge comigo ainda que por um segundo

E incendiemos o mundo

Com a noção do proibido

Dos desejos que podemos ocultar

do lar de sonhos que somos juntos

E dos assuntos que não podemos falar

Sem invocar o impossível



Foge comigo pra dentro de nós

E solte a voz da montanha

Em seu vôo sobre abismos

libertando os sobressaltos que temos

dos nossos medos e cismos



foge comigo naquele bonde

de pernas em que o conhaque

nos põe tão sensíveis e desesperados

que o coração de todos os lados

e infinitos desce da lua onde se esconde

e no seu condado se torna Sade




foge comigo ainda que um dia

a gente se arrependa

da irresponsabilidade

e diga com vontade

que tudo não passou em vão

mas foi um sonho

de uma noite de verão

18 de julho de 2012


SONETO DA PRIMEIRA VEZ

Atrás da retina existe a menina
que não quer encontrar o mundo
assustador vasto e profundo
espaço de desencontros e sina

Segue tímida e armada
para enfrentar o dia a dia
sempre temendo a euforia
dentro do corpo abismada

Mas o amor este belo fato
torna qualquer um insensato
e a menina arrisca olhar cá fora

tudo nela treme e apavora
e ela sai de dentro do vestido
mais um botão aberto e um gemido...

17 de julho de 2012


Toma teu poema imundo
de sexo
de amor
e baboseiras de jardim

Toma ele assim
jogado na cara
esparramado no chão
as rimas rolando
na lama donde não deviam ter saído

Toma como se fosse
o gole do porre
ou xarope pra tosse
que te acomete
como aos poetas tuberculosos de romance

Faça dele a gilete
corte os pulsos da realidade
reinvente a mediocridade
do dia a dia

Faça-se poesia


Poema para o poema da Sonyellen in http://www.facebook.com/sony.ferseck/posts/506537846028080?comment_id=116357434&ref=notif&notif_t=like

13 de julho de 2012


Amo quebrar as paredes
do mundo com você
deitar abaixo velhos conceitos
e preconceitos
fazer descrer verdades
e pensar as metades
como o máximo da acumulação

Gosto de esconder seu gosto
nos cantinhos do mundo
e deixar nosso cheiro
protegendo o ozônio
da camada
e nonada escolher palavras estranhas
que revelem seu lado meu das entranhas
que mesclamos

Preciso demolir a cretinice
dos moralistas com minhas sandálias
tipo franciscano
e dizer que foi engano
quando ligarem do manicômio
explicando terem encontrado um id perdido

Você precisa voar acima dos sonhos
e me deixar cair todos os tombos
pra me livrar do frio na barriga
quando seus olhos
recebem os meus

Nas tardes de chuva
quero deixar que seus dentes
maltratem a minha orelha
me fazendo acordar aninhado
nas suas mandíbulas

Quando o mundo vier cobrar produção
devemos ser claros firmes e diretos
sobre a razão na nossa revolução
Só o amor é que nos mantém vivos

O mundo parou
pra ver o movimento
enlouquecida pelo corpo adentro
toda essência e luz
agia como quem conduz
embriagada de fusão
cometas à explosão

10 de julho de 2012


Teu cheiro em mim
me transforma
em calor e eternidades
me transtorna
em amor e obscenidades
me faz querer tomar
todas as cidades
do teu corpo
todo universo
desse olhar lindo
e com eles repovoar
a solidão do mundo

24 de junho de 2012

Quando ela sonhava bigbangs


O mundo balançava nas tetas

Do universo e o verso da palavra

Que fez a luz era um grito escuro

De um prazer intenso e morno



Quando ela ganhava bigbangs

O lácteo das veias em vias

De talhar criava atalhos e retas

E fazia dias e noites girarem

Alucinada e sistematicamente



Quando ela brotava em bigbangs

Trazia no torso hirto gangues

De planetas e alcatéias de cometas

Que uivavam nos seus divinos

Olhos de fazer chover estrelas

18 de junho de 2012

Ficou a noite toda no sereno


Olhava nuvens do seu útero de relva

Pensava na relação do escuro noturno

Com os gritos dos pássaros e da selva

A noite aos berros ia sendo rasgada

O sol devorava a placenta da madrugada

14 de junho de 2012

Do gosto mais hostil
do outro fez-se o beijo
e a compreensão repentina
de que não podia
mais viver só

Então reuniu sua carne
em torno deste objetivo
e foi aos poucos se fazendo
fluido e ideia
penetrando insinuando

Até desaparecer
num amálgama de prazer
e dor em cada detalhe
em cada entalhe
daquela estranha construção

Mesmo assim sua solidão
estava lá guardada num canto
na obscuridade que não
interessava conhecer

No início deixava-se levar
nas veias como quem navega
o impreciso mas necessário

Depois da familiaridade
foi aos poucos flutuando
para além de si rumo ao profundo
e percebeu que amar
era fácil e comum

Bastava se espalhar
se apropriar
se transformar
fantasiar
no outro

13 de junho de 2012

poema molhado pro dia após o dia dos namorados

O dia dos namorados passou
e um poema não foi publicado
a sua carne mais branca
amassada de travesseiro
esperando a tinta do desejo
quedou-se na lata de lixo
da inutilidade simbólica

Os orgasmos abandonados
na prateleira mais alta
dos sons animalescos
esqueceram de existir

Os cheiros da importância
do outro na existência do eu
a vaca do tempo lambeu
ou derramou no chão memória

Agora resta saber se virá um dia
num pote no final do arco
da tua íris ou no barco
em que é preciso navegar
um fortuito encontro ou lugar
em que a paisagem insaciada
pela beleza da boca molhada
se transforme em mar agitado
ou em represa que arrebenta
e que uivando se reinventa
toda hora em todo lugar

11 de junho de 2012

Vejo epifanias onde pifam os carros
Vejo as dragas e os dragões na lama
Dos rios mortos que cortam a cidade
Vejo maldade nos olhos abandonados
Das crianças cosidas nas calçadas
E um maldar contínuo nos corpos
Benevolentes e frios das sacerdotizas
Da noite carnívora que abandona
Os fracos abraçados à solidão
E faz sorrir árvores de natal
Vejo descalças as calçadas da fama
criatividade e lama na raiz do mundo
Por isso me escondo nas fendas
E sonho com as partes de mim
Que sacrifiquei em busca de paz

9 de junho de 2012

Quero pensar nas palavras
que não tenho nos bolsos
nas palavras cegas que tateiam
na minha garganta
criando pigarros na busca de luz
nessas palavras órfãs do medo
abortadas e reengolidas
com sapos e sapiência

Quero pensá-las de lado
Como uma musa gorda
De Rafael ou Boticelli
Expondo seu corpo
Imenso de prazer e sombras
E colocá-las junto às flores
Na cesta com outras mortes

Quero espremê-las na glote
Torcê-las no ventre
Antes que se tornem gemidos
Expulsá-las dos ouvidos
até que não se possa cogitar
os motivos que têm para continuar
insistindo em existir

28 de maio de 2012

QUAL AMOR QUER

Feita a salvação da próxima alma
O que sobra da reza que não se fará
O que sobra do milagre não ocorrido
O que sobra do não vivido?

Feita a palavra na próxima linha
O que sobra da estrada que não será
Mais reta que a viagem do poeta
Pelos picos do não aplicado?

Feita a picada da consciência abismada
O que da culpa na gente não restará
Em pecados mal explicados
Pelas dobras do não existido?

É que enquanto você sobra
Quando toda a obra
Vem abaixo
Não sei mais se me encaixo

para Eli Macuxi em resposta ao seu poema "qualquer amor"

23 de maio de 2012

Por que não posso chorar
se tudo o que sei
é o que tenho a chorar

por que não posso rasgar minha pele
deixando que venha o mar
e me cubra de sal e sargaços

por que o sol me parece tão escuro
tão duro me parece o ar que respiro
e o giro do catavento não me alegra

por que os meus traços
diante do óbvio espelho
me perecem tão traiçoeiros

por que passar as horas
desconstruindo coisas
numa anomia sem fim

que saiba doravante
este ser que habita em mim
que discordamos ele e eu
em quase tudo o que ele fizer

18 de maio de 2012

Se o ser humano naquela ponte
me dissesse o motivo
eu não entenderia
e faria referencia
à imortalidade dos fatos
na hora do prazer
explicaria o avesso
do voo da andorinha
com os flocos de neve
da efemeridade
agarraria o inseguro
de suas pernas
com o ar que respiro
tentaria dizer do medo
do vazio das finalidades

e juro que me atiraria
no seu lugar

15 de maio de 2012

teu vazio abocanhou o meu
e deu no que deu

nosso vazio cresceu

10 de maio de 2012

Como o poeta
não discuto
com o destino
eu asseguro
no que ele errar
eu rasuro
Parece bobagem mas algumas
coisas não sei se aceito
quem colocou o termo
inclusive entre vírgulas
era mesmo autor de preconceito?

16 de abril de 2012

poema para minha mais nova e distante amiga Elcione "a linda" (segundo suas amigas)

Elcione é nome de quê
Parece uma cantora que conheço
Alguém meio travesso
Que mudou o A para Ê
Mar de rosas no sorriso
Todo o preciso
Da beleza é dela
(É o que dizem suas amigas)
Mas deixemos as intrigas
E digamos que o nome
De alguém tão sublime
Lhe faz jus como uma canção
O nome dela de ciclone
É de verdade furacão

13 de abril de 2012

Hoje pandora veio conversar
Disse que não me assustasse
Que não pensasse nisso
Como pessoal e sorrisse
Parecia enlouquecida e justa
Trazia arrastada uma tampa
De caixa de bombons e flores
Já enlameadas pelo tempo
Ou pelo caminho barrento
Não se importava de dizer
A todo mundo que traíra
Sua própria natureza amando
Nem se importava que zombassem
Dos trapos que ainda vestia
Caminhava empertigada e crua
Como quem sabe de um segredo
Do qual ninguém na humanidade
Poderia deixar de ter medo
Quem ouvia se contorcia em dor

Tinha libertado o amor

11 de abril de 2012

Quando você veio
Veio em ondas sensuais
Quebrando todas as reais
Chances de navegação
Emborcando embarcação
Arrancando lemes e velas
Como um furacão de estrelas

Quando você veio
Ondulando em devastação
Rompeu diques de preservação
deixou rotas as rotas
Dos titânicos das gaivotas
dos intrépidos odisseus
e retomou-os como seus

quando você veio
onda quente de verão
me transformou em canção
de amigos ao luar
bebendo à beira mar
amando a noite inteira
ao redor de uma fogueira

quando você veio
num rompante de loucura
me transformou numa jura
eu que de pedra fora
me restava no agora
bebendo seu sal espraiado
moído em areia transformado

9 de abril de 2012

Já cheguei ao momento de ter
nas ruínas da mente
fantasmas indecorosos
cujas partes desnudas
se parecem com memória

Não permitir que copulem
nem se reproduzam à vontade
é um modo cruel de encarar o futuro

Já não há cheiros nos pedaços de lençol
que cobrem o pouco a ser coberto
e seus gemidos assustam
pela crueza com que denotam
a racionalidade

Suas mentiras são um pouco minhas
também
e crer me fazem
que cada espasmo vivido
tem seu preço no mercado
de sonhos e irracionalidades

ficar acordado é um modo
de tentar ludibriar o inefável
mesmo quando tudo (não) faz sentido

e por isso me quedo
meio corpo sem calma
mas no meu corpo
existem vácuo e solidão

O meu corpo
tem o vazio de alguém
que é o meu também

eu que já me arrastei nas paredes
tentando tirar seu gosto
da minha carne
percebo nas cicatrizes
que não há redenção nas palavras
nem nas promessas

volto meu coração ao autismo
de sua própria brutalidade
e me vejo encenar sombras de poemas
que não concebi

2 de abril de 2012

criou tudo num dia só, porque tinha pressa e era o último dia antes do feriado ou das férias – nem se lembra mais – sabe que correu contra o tempo, que, aliás, estava abusando da sua imortalidade. Pensou nos detalhes sórdidos e nos requintes de crueldade, assim, casualmente, e achou que seria bom que houvesse a tragédia. Imaginou que poderia haver o dualismo, mas errou a mão e criou o trio e a trindade se santificou. Achou que podia querer lembrar do fio da meada e criou o livro de receitas de barro. Barro cru, barro cozido, barro vivo, costeletas de barro e farofa de poeira. Não queria fazer mais nada, mas esbarrou no copo d’água e se distraiu vendo as gotas caírem no chão. Achou bonito, triste e colocou uns raios para trilha sonora e luzes. Viu que o barro se dissolvia e procurou um modo de evitar que a água continuasse caindo. Achou uns bichos que bebiam muito, colocou dentro da inundação. Criou a lenda e o mito meio sem querer. Quem quisesse que acreditasse. Achou melhor justificar seu erro e criou a casualidade. Depois disso veio a poesia, pra que todos pudessem mentir com satisfação. Um idiota criou a mimeses e ele não pode impedir. Dava na mesma, eram replicantes. Achou a intertextualidade uma coisa interessante, mas não gastou mais de um milênio nela. Tropeçou num pedaço de matéria no escuro, caiu, xingou tudo ao redor e criou coisas feias e escuras. Chutou a pedra do caminho e quase acertou a Terra. Não fazia mal. Ela ficaria ali rodando ao redor da Terra como uma pérola gigante. Ficou com medo do escuro e de cair de novo; não lembrava direito o que tinha criado ao cair. Mas sua sombra ficara lá. Dizem que no seio da terra, queimando. Chamou a luz pra não tropeçar de novo e inventou um carro pra ela andar nele. Fiat Luxo. O ó caiu depois da primeira trombada. Tinha esquecido de inventar a lanternagem...
o homem ensimesmado
se atira no horizonte improvável
em busca dos sonhos que não tem

as coisas líquidas de desdém
arpoam as baleias do viável

já os dias não dizem nada
que o dizer não se pertence
as madrugadas vão em manada
a noite somente acresce

tudo é natural e conhecido
e o desgosto tem o mesmo
gosto do cheiro de ontem

as marcas da parede ainda
não vestiram a roupa de festa
nem se embebedaram da
irracionalidade que resta

tudo é pausa no estacato
da respiração do mundo
até o navegar ficou mudo

é o surto

24 de março de 2012

Quero de um querer sem fim
E quero você em mim
Como um manto
Como um canto
Como o espanto
De se saber eterno
E quero terno
E loucamente plantar flores
Nos seus encantos
E quero tantos e tantos
Beijos ao luar
Que todo lugar
em nós será preenchido

até o olvido